"Ouça, como é complicado esquecer de você sendo tão meu, correndo para mim como se fosse mais um daqueles reencontros nervosos e impacientes, de onde sempre saíamos insatisfeitos e loucos de saudade do silêncio que perdurava no nosso carinho leve. Bem, também não quero te diluir, torna-me mais elevada e inteira ter convicção quando digo que conheço o que é se entregar, o que é deitar num abraço e perder o horário de voltar para casa, ligar o rádio na estação mais esquecida e fechar a porta para brincar de contar histórias de um futuro suave e orvalhado. Era a calma em vida se estávamos em sintonia e eu fazia questão de desligar o telefone para não estragar seu encanto. Você lembra, meu amor? Você dizia que eu era sua moça, seu romance, sua perdição, mas não dizia que eu era sua. Assim, simples e puramente sua. Porque tinha medo das minhas trovoadas, porque sofria também com minha sina em ser saudável e era o choro que me tirava o ferro do peito. Meu amor, será que eu fiz diferença? A insistência nos papos de livros desconhecidos, essas músicas lentas que desde o início te davam nos nervos, mas eu entendo. Nem todo mundo é covarde como eu, nem todo mundo desiste de lutar e passa para o lado dos carrascos. Quero dizer, amor, será que com meu porte de pessoa valente eu te fazia desperceber quando eu sussurrava extasiada no seu ouvido afirmando que eu completamente - simples e puramente - sua? Você sabia deixar um eterno espaço em branco, acredito que era para eu nunca desistir de ser amada. Eu te deixava preocupado por aceitar seu jeito desleixado e preguiçoso de fazer tudo, mas era o seu cabelo, o seu cabelo que me dava vontade de fazer carinho na nuca, o seu cabelo que não permitia a outro cheiro se espalhar. Você me puxava pela cintura com aquele sorriso permanente e não tinha medo de mim. Que coisa mais fantástica, eu nunca te disse isso. Pressionava minhas costas e olhava como se o meu amor não representasse perigo algum, depois me beijava no pescoço com toda aquela demora, aquele mergulho fundo de entrar água pelo nariz. Eu tirava água dos meus olhos. Eu não desconto nenhum arrepio, nenhum traço escondido de que sua coragem me deixava encantada. Eu fui sua. Eu tinha pavor de levar para longe o nosso laço, vivia pedindo um passeio livre, uma carta em branco, andava conversando sobre fatos tolos que não me pressionassem tanto a confessar que eu estava em suas mãos. Eu tinha esses e tantos outros orgulhos que me obrigavam a beijar a ponta dos seus dedos de um jeito tão delicado que eu te sentia ainda mais na alma, ainda mais no fundo, descendo pelos meus ombros. Mas nada, nada, nada disso conta, pois fui sua. E de tudo que vai, fica algo. Espero que de mim tenha ficado o gosto pela vida."